Entender como ocorrem as revoluções científicas, por exemplo, pode ser decisivo para se ter uma ideia da estrutura interna de qualquer disciplina e como ocorrem seus desenvolvimentos.
Com o surgimento de novas matrizes disciplinares, a ciência vai avançando e se desenvolvendo a partir dessas matrizes e, geralmente, o advento de matrizes disciplinares provoca verdadeiras revoluções científicas. A ciência tem seus axiomas, que servem como pontos de partida para a construção de seus sistemas.
Thomas Kuhn percebeu como a ciência se desenvolve. Tudo ocorreu assim, tomando a física como exemplo. O geocentrismo de Ptolomeu cede lugar ao heliocentrismo de Copérnico. Através dos trabalhos de Brahe e Kepler, Newton propôs uma teoria da gravitação universal mais abrangente, da qual as Leis de Kepler podem ser deduzidas. Mais à frente, Einstein finalmente é levado a uma nova teoria que explicava e corrigia certas pequenas discrepâncias na teoria newtoniana. Toda teoria científica se desenvolve à base de proposições gerais chamadas postulados ou axiomas. A partir destes postulados pode-se obter o conjunto das leis matemáticas que relacionam as variáveis físicas.
Novas abordagens são feitas e novos avanços provocados dentro da ciência. A matriz disciplinar newtoniana cedeu lugar para a matriz relativística especial e geral que, por sua vez, cedeu lugar para a matriz quântica. Na ciência, é impossível pensar em Isaac Newton antecipando totalmente em sua lei da gravitação universal todos os mais amplos resultados de Albert Einstein em sua teoria da relatividade geral, onde ele chega a resultados precisos onde a força gravitacional é forte, por exemplo, enquanto que a teoria de Newton falha nesse caso.
A matemática, que não foge do padrão de desenvolvimento a partir de matrizes disciplinares, ao contrário, foi uma das ciências que mais se desenvolveu devido ao uso delas, sempre avança na frente de todas as ciências e depois serve de suporte a elas. Ela conseguiu conviver bem com seus problemas não resolvidos a curto prazo e que ficaram no meio do caminho e foram resolvidos depois, como a prova do Último Teorema de Fermat, ocorrida no século passado, e com outros que ainda estão para serem resolvidos plenamente, como a Hipótese do Contínuo de Georg Cantor.
As descobertas de Kuhn permitem-nos desconstruir a ideia de experimento científico como a única via de avanço da ciência ou de construção de seu corpo teórico. Estas constatações de Kuhn levam-nos à desconstrução definitiva da ideia de que a ciência apenas se desenvolve a partir do experimento científico. De fato, isso tudo deixa evidente para Kuhn que as ciências também se apóiam em agrupamentos de crenças, em tradições, pressuposições, axiomas, teorias, valores compartilhados, valores epistêmicos, pressuposições metafísicas assumidas, padrões de pesquisa e resultados de pesquisa exemplar que proveem um arcabouço para o avanço científico dentro de todo um campo de pesquisa.
Algum tempo antes de Einstein escrever sobre sua teoria da relatividade (1905), um matemático por nome Georg Riemann elaborou o arcabouço teórico de uma geometria não-euclideana (1858), ou seja, uma geometria resultante da substituição do quinto postulado de Euclides ("Por um ponto exterior a uma reta passa uma única reta paralela a esta reta dada.") por um alomorfe. Ele o substituiu pelo seguinte postulado: "Por um ponto fora de uma reta não passa reta alguma paralela a esta reta dada". Hoje esta é conhecida como Geometria Riemanniana, que na época de sua elaboração somente fascinou a Gauss e outros matemáticos de seu nível. Gauss foi o avaliador da tese de pós-doutorado de Riemann na qual ele definiu seu conceito mais abrangente de geometria, para qualificá-lo como professor numa universidade alemã.
Essa geometria riemanniana, tipo non-sense na época, aliada aos outros desenvolvimentos em matemática pura, foi um dos elementos fundamentais para a construção do espaço ideal que serviria de arcabouço teórico para o desenvolvimento da teoria da relatividade, principalmente na transição da relatividade especial para a geral, apesar de seu grau ultraelevado de abstração e estranheza para a época.
Vendo por esta perspectiva, o experimento, principalmente no ramo da atualmente chamada física-matemática, geralmente não precede ou se torna condição sine qua non para seu desenvolvimento, como ocorre na matemática pura. Na maioria das vezes, não tem sido o experimento que tem dado suporte ao desenvolvimento das ciências, mas as matrizes disciplinares estão em todos os casos.
Síntese das Revoluções Ocorridas na Física
Quando Albert Einstein elaborou sua teoria da relatividade, esta matriz disciplinar suplantou aquela reinante desde Newton, provocando uma verdadeira revolução na Física. Uma segunda revolução foi causada pela teoria da radiação de Max Planck. Outra revolução foi causada pelas ideias de Neils Bohr relativas ao quantum. Por fim, para não nos estendermos demais, citamos a revolução causada pelos trabalhos de Werner Heisenberg e Erwin Schrödinger sobre os níveis de energia atômica. A teoria da relatividade e a teoria quântica provocaram desenvolvimentos muito mais acentuados no mundo da Física do que oriundos da velha matriz disciplinar newtoniana.
Recapitulando as Descobertas de Thomas Kuhn
Matriz Disciplinar é uma espécie de paradigma, um agrupamento de crenças, pressuposições, axiomas, teorias, valores, padrões de pesquisa e resultados de pesquisa exemplar que provê um arcabouço para o avanço científico dentro de todo um campo de pesquisa. Seus pontos de partida que nem sempre são oriundos de fatos e de lógica, mas de valores epistêmicos e de pressuposições metafísicas assumidos, que nem sempre pode justificar. ISTO QUE VOCÊ ACABA DE APRENDER SE APLICA A QUALQUER DISCIPLINA DENTRO DO CONHECIMENTO HUMANO, TORNANDO TODO O SABER CIENTÍFICO, O QUE DEMANDA UMA ABORDAGEM METODOLÓGICA CALCADA EM MATRIZES DISCIPLINARES. DE FATO, ISTO AMPLIA ENORMEMENTE E REDEFINE O CONCEITO DE CIÊNCIA PELA REDESCOBERTA DO PAPEL QUE A HISTÓRIA PODE EXERCER SOBRE A ELABORAÇÃO DESSE CONCEITO!
Prof. Fabiano Ferreira